Uma nova Justiça

6 de agosto de 2007 11:19

O empresário deve explicações ao dono da empresa, através de seus prepostos, enquanto o funcionário público tem a obrigação de prestar contas ao povo; aquele quer aumentar o patrimônio que administra, enquanto o ganho do outro se situa na facilitação da vida do cidadão. Ambos, empresário e prestador de serviço na área pública, não podem ser prepotentes, antipáticos, extravagantes, arrogantes, mas inserir em seu perfil o cavalheirismo, a simpatia, a humildade.

Ouvido o povo entende ser a Justiça antiquada, acomodada, lenta, elitista e ineficiente. Ninguém nega o mau relacionamento entre o cidadão e o Judiciário e este afastamento inicia-se internamente, pois o próprio servidor não tem fácil acesso ao magistrado. Imagine-se o cidadão comum! Esta distância não pode nem deve prevalecer, pois a perfeita democratização do Judiciário situa-se exatamente na confiança do povo na Justiça que tem.

A estrutura emocional do homem altera-se na medida em que obtém maiores poderes. Quando isto acontece e a autoridade não consegue reprimir este instinto prejudicial ao exercício da função pública, ingressa-se no terreno da futilidade. Na magistratura, o fenômeno impede a aproximação cidadão/Judiciário. Na verdade, como já se disse, o juiz deve sentir o que o povo sente, perceber sua angústia, as dores, não se ausentar do mundo para ser mero aplicador da lei.

Em tempos nos quais a Associação dos Magistrados Brasileiros busca aproximação do Judiciário com a sociedade, através de várias frentes de trabalho, a exemplo da Campanha pela Simplificação da Linguagem Jurídica (o juridiquês), da Campanha Contra a Corrupção, oportuna é a conscientização do magistrado de que ele é um homem e, portanto falível.

É obsoleta a expressão de que a Justiça tarda, mas não falha; verdadeira, real é a outra expressão de que a Justiça falha, quando tarda.

Assim, nós magistrados temos de assumir parte da culpa pelo atraso na prestação jurisdicional. Insuficientes as motivações de más leis, de falta de estrutura, etc; prevalecem tais alegações, mas se o juiz cumprisse sua parte no sistema, certamente, o clamor público contra a instituição diminuiria. Quantas vezes o julgador tem condições de dirimir conflitos por meio de simples decisões! Faltam, em alguns, coragem para resistir às tentações das benesses oferecidas pelos poderosos em prejuízo do mais fraco.

O magistrado deve ter a certeza de que a reconsideração de uma decisão não é covardia, mas revisão de convicção, não admitida pelos teimosos que insistem em permanecer no erro para salvar as aparências; a humildade que deveria ser elementar, torna-se qualidade, dada a prática deste atributo por poucos.

Os juízos não são fábricas de injustiças

As pesquisas mostram a descrença do povo no Judiciário; este posicionamento não é isolado, mas conseqüência da desilusão do cidadão em todos os serviços prestados pelo poder público. A expectativa que se tem desses serviços é de eficiência, mas a prática mostra outro universo.

A litigiosidade contida cresce e o cidadão não entende a morosidade para solução de pequenas causas, desentendimentos do dia-a-dia. As boas práticas, a exemplo do sistema dos Juizados de Pequenas Causas, depois Juizados Especiais, são interrompidas pelo legislador ou até mesmo pelo operador do Direito. O parlamentar busca inovação para acomodar as pretensões de quem sustentou sua campanha política e inova mudando regras ainda não testadas; por outro lado, o julgador mantém a forma artesanal no trabalho e não absorve as alterações, porque convive melhor com as práticas mecânicas e tradicionais. Assim mudam-se as leis antes mesmo de se constatar seus resultados; assim, deixa-se de aplicar a lei, porque a tradição indica outro caminho.

A expressão eu te processo, em uso por ocasião da instalação dos Juizados de Pequenas Causas, Lei 7.244/84, perdeu força com a alteração de 1995, Lei 9.099, e posteriores mudanças, responsáveis pela acomodação da outra expressão mais conhecida e apreciada pelos poderosos: vá procurar seus direitos.

O juiz, no emaranhado de leis que traça seu procedimento, distancia-se do cidadão, sedento para receber o que lhe foi retirado pela violência do mais forte. A incoincidência do Direito material com o Direito formal, a existência da verdade processual e da verdade real, a competência de um juízo para julgamento do povo e de outro para julgamento das autoridades; os privilégios conferidos ao Estado quando em demanda com o cidadão, a exemplo de prazos mais elásticos, de precatórios, tudo isto e muito mais, não é entendível pelo cidadão.

O futuro, entretanto mostra novo perfil do juiz, na expressão de Maurice Aydalot e Jacques Charpentier:

Não é proibido sonhar com o juiz do futuro: – cavalheiresco, hábil para sondar o coração humano enamorado da Ciência e da Justiça, ao mesmo tempo em que insensível às vaidades do cargo; arguto para descobrir as espertezas dos poderosos do dinheiro; informado das técnicas do mundo moderno, no ritmo desta era nuclear, onde as distâncias se apagam e as fronteiras se destroem, onde, enfim, as diferenças entre os homens logo serão simples e amargas lembranças do passado.