Cartilha ensina pais a proteger crianças

6 de agosto de 2007 09:11

As amigas Karina, Lígia e Lia jogam bola na praia – tentam jogar é uma definição mais apropriada para a cena, já que duas estão estiradas na areia. Essas e tantas outras fotografias postadas na internet não deveriam passar de imagens ingênuas, instantâneos da infância que renderão boas risadas no futuro. Mas, no presente, servem de munição para uma legião de pedófilos que se esconde e prolifera nas páginas da internet.

Há tempos que o mundo virtual perdeu a inocência. Sem dificuldade – e, principalmente, sem legislação clara -, criminosos trocam mensagens e e-mails com fotos de menores em situações supostamente eróticas como se fosse uma coisa normal, banal até. O Orkut, site de relacionamentos com 25 milhões de brasileiros, acabou transformando-se em paraíso desses pedófilos virtuais. Numa comunidade de troca de imagens, além de encontrar as cenas de Camila, Aline, Karina, Lígia e Lia, é possível aprender até uma receita de droga para desacordar a menina e facilitar o trabalho , como ensina um dos internautas.

A atuação dessas pessoas é facilitada porque não há ninguém vigiando , diz Ana Maria Drummond, diretora-executiva do Instituto WCF-Brasil, braço brasileiro da World Childhood Foundation, entidade fundada pela rainha Silvia da Suécia, que desenvolve campanhas a favor da proteção das crianças e adolescentes.

Os próprios pais não sabem o que seus filhos fazem na internet, que fotos eles postam, com quem conversam. Há pais que nem sabem o que é Orkut, o que é Messenger. Esse gap (distância) de gerações que existe só facilita a ação dos pedófilos.

Para conscientizar pais e torná-los multiplicadores, a WCF-Brasil lança nesta semana cartilha educativa com dicas e soluções para evitar que meninos e meninas fiquem à mercê dos criminosos na internet. Com uma tiragem inicial de 330 mil exemplares, o livreto Navegar com Segurança será distribuído nas unidades do Sesi/Senai e no Shopping Pátio Higienópolis, na região central de São Paulo.

A cartilha mostra desde explicações básica sobre como funciona a internet até como instalar filtros para evitar que os filhos acessem conteúdo impróprio , conta Ana Maria Drummond. O importante é mostrar que o computador não é vilão da história, ele só precisa ser bem administrado.

Para mostrar como o problema é maior que o imaginado pelos pais, a WCF-Brasil encomendou pesquisa inédita à ONG SaferNet Brasil, entidade que combate crimes na internet por meio de denúncias anônimas feitas pelos próprios internautas. Analisando as 596.738 denúncias recebidas entre 26 de janeiro e 28 de junho, a SaferNet descobriu 45.941 páginas com conteúdo de pedofilia no Orkut. Cerca de 187 mil fotos foram postadas no período – 50 mil não foram retiradas do ar e continuam ali, passíveis de serem vistas por qualquer pessoa com um mouse.

FILTROS

O próprio Orkut, quando retira as páginas do ar, demora mais de uma semana para fazer isso , diz Thiago Tavares, presidente da SaferNet. É uma eternidade. Essas informações, quando analisadas à luz dos casos concretos e das medidas judiciais adotadas, servirão para subsidiar a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal de São Paulo na Justiça Federal que pede que o Orkut seja condenado a pagar indenização de R$ 130 milhões por danos morais coletivos causados aos internautas expostos ao conteúdo pornográfico infanto-juvenil. Algo precisa mudar para que os pedófilos não continuam se multiplicando, e a conscientização é o primeiro passo.

A bióloga e professora universitária Sílvia Fazzolari Correa percebeu como a internet poderia ser perigosa na educação dos seus filhos depois que flagrou Otávio, de 9 anos, e Flávia, de 6, olhando fotos de sexo explícito no computador. Foi quando me dei conta de que o mundo virtual precisa de limites, iguais aos que eu imponho no mundo real , diz. Há criminosos na internet do mesmo jeito que há nas ruas, e cabe aos pais proteger seus filhos desse tipo de comportamento.

Sílvia instalou uma espécie de filtro no PC de casa, um programa que impede o acesso a conteúdo impróprio e só libera sites que tenham sido aprovados por ela ou por seu marido. Eu não permito Messenger ou Orkut, por exemplo , diz. A internet pode ser uma ferramenta fantástica. Mas eu só darei liberdade aos meus filhos para navegarem sozinhos quando tiver certeza de que eles têm discernimento necessário para fazer isso.

FRASES

Ana Maria Drummond
Diretora-executiva do Instituto WCF-Brasil

O importante é mostrar que o computador não é o vilão, ele só precisa ser bem administrado

Sílvia Fazzolari Correa
Bióloga

A internet pode ser uma ferramenta fantástica. Mas só darei liberdade a meus filhos para navegarem sozinhos quando eles tiverem discernimento para isso

Hackers do bem perdem horas tirando fotos do ar

Capitão Henry Schuster Troski é um internauta sem nome, sem idade e sem profissão. Prefere manter tudo isso sob anonimato – afinal, não está no Orkut e no MSN para conhecer pessoas e conversar com amigos, mas sim para caçar pedófilos. Ele e outras centenas de internautas perdem horas por dia para fazer o papel que deveria caber ao próprio Orkut e às autoridades, procurando páginas de pedofilia e agindo como hackers para tirar as fotos do ar.

Não há ação da Polícia Federal nem de ninguém, nós temos que fazer todo o trabalho , diz ele, uma espécie de justiceiro virtual. Recebo cerca de 50 denúncias por dia, mas ninguém ajuda. Todo dia vejo muitos amigos desistindo de fazer esse trabalho. Já tivemos casos de conseguir até o nome real e o endereço de pedófilos, mas a polícia não fez absolutamente nada.

O estudante de engenharia F.M. também se esconde atrás de um apelido para denunciar pedófilos na rede. Sempre adotando nomes de mulher, ele convida seus alvos para conversas e mostra supostas fotos de pedofilia. Essas fotos na verdade são um vírus que invade o computador do pedófilo e descobre suas informações pessoais. Faço isso porque tenho nojo desse tipo de pessoa , diz. Uma prima minha já teve fotos dela postadas em sites de pedófilos. O problema é que a cada dia o número de denúncias aumenta e quem deveria coibir essas ações parece fechar os olhos.

A empresa americana Google Inc., que controla o Orkut, promete agora ajudar nesse trabalho. Uma parceria feita com os procuradores-gerais de Justiça de todo o País vai colocar à disposição do Ministério Público uma ferramenta exclusiva para vasculhar o Orkut e até retirar páginas do ar, sem a necessidade de determinação judicial. A parceria deve estar funcionando plenamente até o fim do ano.

Uma equipe bilíngüe na matriz da Google, na Califórnia, Estados Unidos, promete levar no máximo 24 horas para responder aos promotores e decidir sobre a exclusão de comentários ou de comunidades consideradas ofensivas. No lugar da página deletada, será colocado um aviso com o símbolo da Polícia Federal. A Google também promete guardar as informações dos IPs dos usuários (códigos que registram os acessos) por dois anos – e não por seis meses, como ocorre atualmente.

Há quase dois anos estamos nessa batalha para aumentar a segurança no Orkut, sem resultados práticos , diz Thiago Tavares, presidente da SaferNet. É preciso tratar os criminosos do Orkut com a mesma legislação com que se julga os criminosos do mundo real. Sem isso, os pedófilos continuarão atuando sem medo.