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19/06/2015 - 18:07:52

ARTIGO

Carreira não tão Única no FBI e Outras Falácias

Artigo do Delegado Civil Sergio Ricardo Mattos

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  • Sergio Ricardo Mattos

   

Em 2014, fiz um artigo referente ao FBI para mostrar que lá existem várias carreiras. Para minha surpresa, estava olhando alguns sites e ao pesquisar o termo FBI fui direcionado ao site da FENAPEF (http://www.fenapef.org.br/fenapef/noticia/index/46134). Lá o policial Paulo Ricardo Aguiar de Deus apresentou um artigo com o seguinte título: “O FBI e a falácia das múltiplas carreiras”. Curioso, passei a ler tal artigo, o qual explica que no FBI são carreiras distintas, mas apenas uma é policial.  Pela explanação dele, na minha opinião, é parcialmente (bem parcialmente mesmo) correta, pois tem no FBI a carreira de analista de investigação, a qual exerce atividade fim, entre outras. Mas até aí tudo bem. O problema foi ele comentar sobre o flagrante, dizendo que não há as fases de flagrante, pois toda a prisão é “una” e que essa tal “divisão” não encontra respaldo legal e seria criação minha para justificar meu artigo. Neste momento dei aquela risadinha de lado e me senti um Welzel, que pela sua teoria migrou o dolo e culpa da culpabilidade para o tipo penal (Teoria Finalista da Ação). Poxa, eu criei as fase da prisão em flagrante!!!!. Segundo Paulo Aguiar, a prisão é “una”. Como assim a prisão é una????????? Meu pai eterno, o que é isso? Pensei, será que ele não se confundiu com a jurisdição que é una? Será que ele pensou naquele jogo chamado uno? Logo em seguida ele fala que a lavratura é mero ato procedimental. Procedimental sim, mas mero? Por um simples ou mero ato procedimental você encarcera uma pessoa, restringe a sua liberdade? Se for assim, uma sentença condenatória seria um mero ato procedimental?

Em face disso tenho que explicar o que penso.

Com relação às fases da prisão, que, conforme o nobre Paulo Ricardo Aguiar de Deus é uma divisão que não encontra respaldo legal, pois a prisão em flagrante, ou não, é “una”(será que foi isto que eu li mesmo?) e ao delegado cabe, “somente”, a lavratura do auto de prisão em flagrante, demonstra total desconhecimento da doutrina e do CPP.

As fontes formais mediatas  são os costumes, os  princípios gerais do direito a jurisprudência e a doutrina.  O artigo 4º. da  Lei de Introdução ao Código Civil dispõe que quando a lei for omissa , o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Em qualquer livro de direito vai encontrar as fases da prisão: Detenção, condução, lavratura e encarceramento.   Somente o delegado de polícia (exceções existem é claro) pode lavrar o auto de prisão em flagrante e determinar o encarceramento ou a soltura por entender o fato atípico, entender que livra-se solto em razão do crime ser de menor potencial ofensivo ou suscetível à fiança, ou, até mesmo, por entender que não estão os elementos caracterizadores da prisão em flagrante. Além do mais cabe ao delegado decidir: Furto? Furto qualificado ou privilegiado? Posso combinar? Tentado ou consumado? Uso de droga ou tráfico? Constrangimento ilegal ou cárcere privado? Crime militar, comum ou eleitoral? Estupro, importunação ofensiva ao pudor ou perturbação da tranqüilidade? Apropriação indébita ou exercício arbitrário das próprias razões? Lesão leve, ameaça ou tentativa de homicídio? Legítima defesa? Dano ou exercício regular de um direito? Cabe fiança? Violência doméstica? Violência de gênero? Dano ambiental? Crime ambiental? é floresta protegida? Crime contra o sistema financeiro? Uso de documento falso? Competência de justiça federal ou estadual? Fraude criminal ou cível? Estelionato ou extorsão? Produto vencido por si só dá prisão? Vias de fato ou injúria real? Ou seja, as fases, como detenção e condução podem ser efetuadas por qualquer pessoa, seja policial ou não, agora as fases seguintes só cabe ao delegado de polícia dentro uma análise técnico-jurídica e isto está no próprio Código de Processo Penal, não é invenção minha para rebater o artigo anterior do colega, o qual acha que eu ao menos o li. Se ele soubesse que nunca tinha visto tal artigo... Vamos lá tratar dessa “prisão una”: Se uma pessoa é encaminhada à presença do delegado de polícia em razão de um possível crime e o delegado o solta, haveria a prisão em flagrante ou a mera detenção?  Ainda estou pensando naquele termo “una” e não tem como me esquecer daquele joguinho uno. Mas, continuemos.

Voltando ao FBI, não há que se dizer que as funções do analista de investigação do FBI estão ligadas aos agentes administrativos da PF, uma vez que aqueles analistas executam atividade fim no FBI, o que não ocorre com os analistas e técnicos da PF que exercem unicamente atividade meio (ao menos deveria ser). Ou vão me dizer que os técnicos e analistas da PF fazem escutas telefônicas e vão a campo fazer filmagens e escutas ambientais. Podemos dizer que, no que se refere à atividade fim executada pelos analistas do FBI, tal atividade está ligada, de fato e de direito, aos policiais da PF. O que dizer, ainda, dos analistas de inteligência do FBI. Não são os agentes de policia da PF quem exercem esta atividade ou vão me dizer que é a carreira de técnicos e analistas administrativos. Veja o que o site oficial fala sobre os analistas de Inteligência do FBI: 

https://www.fbijobs.gov/explore-careers/ps-intelligence.asp

“Escritórios de campo: A.I estão em 56 gabinetes de campo e são incorporados em esquadrões ou trabalham no campo da inteligência de Grupos (FIG), que são entidades de inteligência destinadas a integrar plenamente o ciclo de inteligência em operações de campo e gerenciar o Programa de Inteligência em coordenação com a Direção de Inteligência (DI)”. (Poxa, vão me dizer que esta é uma atribuição dos técnicos e analistas da Policia Federal?)

Se isto não é verdade, o que significa o que retirei do site da FENAPEF:

http://fenapef.org.br/fenapef/noticia/imprimir/40432

“A Portaria nº 523/89¬MPOG nem sequer previu as atividades de “análise” de inteligência policial, e/ou a função conhecida como “analista de inteligência policial” dentro da PF, atualmente atribuída e executada por agentes, escrivães e papiloscopistas. Até porque, como dito, inexistia tecnologia e regulamentação específica para interceptação telefônica e demais sinais.”

Lei para quê?

Só quando interessa, é claro.

http://fenapef.org.br/fenapef/noticia/imprimir/40432

“Outro erro gritante que persiste na IN nº 007/1997-DG/DPF é a referência à coordenação e controle de equipes de “análise” e seus integrantes, uma vez que, por direito, até hoje, inexiste a função ou a figura de “analista de inteligência policial”, embora tal atividade exista de fato, ainda que suas atribuições não tenham sido definidas por lei. O Art. 4º da referida IN prevê o seguinte:”

Pela minha inocência, citada pelo nobre Paulo, eu não teria percebido que os citados analistas de inteligência e especialistas em investigação seriam equiparados a carreira administrativa da PF. Mas observem que no FBI já tem uma carreira administrativa, a qual não se confunde com as carreiras fins do FBI. 

https://www.fbijobs.gov/explore-careers/professional-staff.asp?emid=

No endereço acima citado temos, entre outras as carreiras de analista de inteligência, especialista em investigação e, também, a carreira administrativa. De plano já vai de encontro ao que disse o Paulo, ao informar que os analistas de inteligência e os especialistas em investigação do FBI seriam equiparados aos servidores administrativos da PF, ou seja, são carreiras administrativas. 

Cito quem são os servidores da carreira administrativa do FBI.

https://www.fbijobs.gov/explore-careers/ps-administrative.asp


Neste endereço encontraremos os psicólogos, assistentes sociais, arquivistas, médicos, enfermeiros, bibliotecários, especialistas em recursos humanos, fotógrafos, relações públicas, entre outros.

Se observarem, estes sim se equiparam aos servidores administrativos da PF. As outras carreiras são de atividade fim do FBI.

Resta claro que há uma mescla nas atividades do FBI (de analista a policial), onde no Brasil, na atividade fim, é executada, unicamente, pelos policiais federais. Pelo que se verifica, nos Estados Unidos, as profissões ou atividades estão vinculadas a códigos (job series) ou serie de trabalho ou série de atividade profissional. A GS 1800 é típica de atividade que envolve investigação. Os especialistas em investigação do FBI são job series 1805. O Agente especial do FBI é job serie 1811. Há pessoas não job series 1811 que utilizam armas, emblemas e podem executar prisões. Assim, o fato de outras carreiras do FBI (atividade fim) não serem job series 1811 não os excluem de uma atividade típica de investigação criminal, uma vez que são qualificados como GS 1800. Começando com 18(xx) já é atividade de investigação. Apenas não são Agentes especiais.  Naturalmente que os servidores administrativos do FBI já citados acima não são job series 1800 e não exercem atividade fim de investigação. Ex. Psicólogos, médicos, dentistas, arquivistas, assistente sociais, entre outros.

Interessante que o analista de inteligência criminal no exército dos Estados Unidos recebe job serie que vai de 1801 a 1813. Ou seja, pode receber a job serie 1811, típica de agentes especiais ou pessoas com poder de prisão (Power of arrest).

Por outro lado, quando a sensação de segurança, isto não tem nada a ver com sistema policial, afinal, alguém vai me dizer que se tivesse carreira única o número de homicídios, de furtos, de roubo, com ou sem resultado morte e de estupros cairia. No Brasil, o número de homicídios chega a 56 mil em um ano.  Logo em seguida dizem que o índice de resolução de homicídios no Brasil não chega a 10%.  Em termos absolutos, estes 10% de resolução equivalem ao número de homicídios que ocorre durante cinco anos na Europa ocidental, a qual tem quase 750 milhões de habitantes. Aí alguns vêm é dizem que a culpa é do inquérito e do delegado de polícia, chegando a ser doentia tal idéia. Brasília tem um índice de resolução de homicídios que chega a 70% (pesquisa feita por Michel Misse, o qual foi contratado pela FENAPEF). Este índice é equivalente à maioria dos estados no Estados Unidos (USA para quem prefere).  Segundo dados oficiais de 2015, o índice chegou a 90% em Brasília. Por outro lado, no México, tão subdesenvolvido quanto o nosso, que segue exatamente o formato que os EPAS querem, deveria ter um índice de violência no mesmo nível dos Estados Unidos e, da mesma forma, um alto índice de resolução. Porém todos sabem que o índice de resolução dos homicídios nos México é de no máximo 2%. Mas no México têm aquelas guerrilhas!!!! E as favelas no Rio de Janeiro????

Veja o artigo: http://www.animalpolitico.com/2013/07/98-de-los-homicidios-de-2012-en-la impunidad/

98% de los homicidios cometidos en 2012 están impunes

O interessante é que lá no México não tem Delegado de Polícia, não tem inquérito na mesma formatação que o Brasileiro e está sob o comando do Ministério Público.

Em Brasília tem inquérito policial, delegado de polícia, não está sob o comando do MP e temos um índice de resolução de homicídios equiparados a países de primeiro mundo. Não tem como não elogiar os policiais civis do DF (Agentes, escrivães, delegados, peritos e papiloscopitas).

Voltando a carreira única tão desejada, só para conhecimento, em países europeus, como a França, a Itália ou a Bélgica, não existe a tal carreira única, pois são três carreiras: Guardião da Paz (guarda), Investigador e Comissário de Polícia. Já dá para imaginar que o comissário de polícia é quem comanda a polícia. Ou seja, o cidadão já entra comandando a polícia. Como todos devem saber, com exceção da Itália, é possível uma porcentagem para ascensão profissional e todos aceitam concursos externos e internos.  Na Nova Zelândia, no Chipre e na Austrália existe na polícia o cargo de procurador de polícia, o qual pode oferecer denúncia  (95% destas denúncias são feitas por tais policiais e sobre menos de 5% para o procuradores da coroa). Na Nova Zelândia é para bacharel em direito e na Austrália não precisa ser bacharel em direito. Na Inglaterra, além de oferecer denúncia, a polícia pode aplicar penas alternativas.

Sem querer somente contra-argumentar o artigo do colega (muito bem feito por sinal, porém direcionado aos interesses de seu sindicato), apenas pincelando, as coisas não são tão simples e claras como querem pregar. Cada país tem a sua própria jabuticaba. O Xerife americano é uma jabuticaba desde os filmes de Bang-Bang e do Sargento Garcia no Zorro.

Sergio Ricardo Mattos
Delegado de Polícia do Distrito Federal
Ex EPA da PCDF.


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